Pablo Capilé tentou tirar férias no Nordeste, não sem esquecer os compromissos com os coletivos, e, vá lá, conseguiu. Porque reunião a beira-mar comendo camarão não é para qualquer um. Pablo está entre os cabeças do Circuito Fora do Eixo, ABRAFIN, Cubo e outras iniciativas que tentam pôr a música independente cada vez mais em evidência. Promovendo festivais, palestras, criação de coletivos municipais, estaduais, regionais e nacionais. Grupos organizados em prol da produção e circulação da música e, porque não, outras artes pelo país a fora. Ações que reverberam até fora do Brasil. Entre meio cigarro e outro, O Inimigo bateu um papo com Pablo na casa de Anderson Foca e Ana Morena, onde ele esteve hospedado, sobre coletivos, feiras de música, festivais e outros assuntos que interessam quem gosta de música e, principalmente, quem quer se inserir no mercado mutante-independente.
O Inimigo – Com suas constantes viagens e contato com os coletivos, como está a interligação entre eles?
Pablo Capilé – Tem estado cada vez melhor. A gente está indo agora para o quarto ano do Circuito Fora do Eixo. Os primeiros dois anos e meio foram de estímulo para entenderem que hoje o ambiente associativo é muito favorável a construção de novos modelos de negócio. E também para um novo negócio de distribuição de renda, distribuição dos bens culturais e etc. Até 2008 todo mundo que era entusiasta da Rede era do Circuito Fora do Eixo. A partir de 2009 nós começamos a delimitar pontos em cada cidade, construir as regionais, os Fora do Eixo estaduais, estabelecer regimento interno, carta de princípios. Então isso vem fazendo com que os debates se nivelem. Tanto os coletivos mais antigos, quanto os mais novos, participam da mesma inteligência que conseguem fazer com que as pessoas troquem tecnologia. Então essa troca tem ficado cada vez mais interessante porque os coletivos estão mais antenados, mais preparados e maduros para enfrentar esse desafio. A gente está muito entusiasmado porque hoje conseguimos ser a rede de maior musculatura nacional. A gente está em praticamente 90% dos estados do Brasil e estamos agora em 44 cidades.
A grande dificuldade de colocar os coletivos pra frente é que muitos dos envolvidos tem a música como atividade secundária?
Com certeza. A gente trabalha na perspectiva de estimular as pessoas a entenderem que quanto mais força de trabalho elas destinarem ao trabalho alternativo, aos coletivos, mais rápido elas vão conseguir ter um retorno. Então a grande maioria dos coletivos começa como um trampo complementar. Com o tempo elas vão conseguindo entender mais o processo e se dedicar mais aquilo. Começa o coletivo com 8, 10 pessoas, aí percebem que podem diminuir para 4, 5. Dessas 4, 5, uma começa a se dedicar integralmente, aí já estimula a outra e eles começam a ver que é possível, começam a fazer eventos mais bacanas. Começa a entrar uma graninha, aí monta um estúdio de ensaio, um estudiozinho de gravação, começam a dialogar com o poder público, com a iniciativa privada. Vão percebendo que quanto mais eles se dedicarem aquilo, mais eles vão sobreviver da história. Apesar que 90% da movimentação da música independente é proveniente da classe média. Ela conseguiu nos primeiros 16, 17 anos da vida, uma estrutura que possibilitou uma escola mais bacana, comida na hora que voltava pra casa da mãe, ler mais, um jornal, mais tempo para resolver possíveis conflitos existenciais. Tudo isso já prepara mais o cara para enfrentar um desafio como esse. Porque geralmente a classe média desenvolve aquele trabalho assistencialista. Ela acaba achando que indo lá dar uma sopa, um workshop, fazer uma oficina na escola, já é um trabalho que ela está desenvolvendo na periferia. Ao invés dela entender que é muito mais bacana você compor com os grupos que já desenvolvem ações na periferia para você entrar com o que você tem de mais expertise e eles entrarem com o que tem de mais expertise, mas sabendo que eles já são dali e vão ser mais aceitos.
E está acontecendo bem pelo Brasil?
Muito bem. Tem uma outra entidade, a CUFA (Central Única das Favelas), que também trabalha nesse sentido da musculatura nacional. E a gente tem estabelecido composições muito interessantes com o movimento Hip Hop. Entendendo que eles tem o protagonismo deles dentro da comunidade e a gente pode incluí-los dentro do que a gente está fazendo. Então, por exemplo, a gente tem colocado vários grupos de Rap para circular nos festivais que a gente desenvolve. A relação construida com o poder público, a gente traz os grupos periféricos para também debater isso. A relação com os pólos de cultura, trazendo o pessoal da periferia para ocupar um espaço que a gente já ocupava, mas que eles podem ocupar até com mais eficiência. Até a própria construção das planilhas, dos sistemas, coisa que dificilmente eles tem, a gente começa a democratizar. E ao mesmo tempo eles trazem aquele sangue no olho de mudar os ambientes com a galera que está acomodada com aquilo que já está acontecendo.
Existe uma orientação para incluir determinados grupos, como os de Rap, nos festivais? Há uma conversa com os produtores?
Na verdade, a gente sempre debate o circuito de festivais. Nós temos os nossos festivais e quanto mais conseguirmos estabelecer autonomia para cada produtor de festival, sem interferência da rede, na curadoria, melhor. Porque aí você não reproduz uma lógica que a gente contesta. Então a gente tenta incluir novas linguagens. Por exemplo, eu coloco os grupos de Hip Hop no Festival Calango. E levo os jornalistas e produtores pro Calango para perceberem que está rolando uma estética diferenciada dentro da produção de Hip Hop brasileiro, para que isso aconteça de uma forma natural. Por exemplo, a gente colocou o Mamelo Sound System e Linha Dura para tocar ano passado no Calango (2008). Esse ano (2009) o Nobre já colocou o Mamelo Sound System. O Linha Dura conseguiu tocar em outros lugares, porque nós os pomos numa reunião da ABRAFIN e estavam todos os produtores lá. O cara conseguiu ver e entender que é bacana. O Contra FluxoGog também está conseguindo se inserir pelo movimento Música Para Baixar. E a galera do Hip Hop começa a ver também que existe um mercado diferenciado e que podem investir. Então o que a gente faz é estimular que os coletivos locais ligados ao Hip Hop busquem os festivais locais e mandem mais material. E aí isso vai espirrando, porque o produtor vê, o jornalista vê e se aquilo que foi apresentado é bacana, o cara vai acabar querendo levar pro festival dele. também tocou em alguns festivais. Aí o
Quando os coletivos em suas cidades vão desenvolver algum projeto, eles tem autonomia ou tem que passar pela direção nacional?
Tem autonomia total. O primeiro princípio da nossa carta de princípios é o de autonomia. No seu coletivo ninguém dá pitaco. No estadual só quem é do estado, na regional só quem é da região e na nacional todo mundo dá pitaco. Na regional Nordeste, por exemplo, nós temos como ponto de referência o Lumo Coletivo. Se a regional Sudeste não curtiu o encaminhamento, ela entra no debate com a regional Nordeste. É aberto, mas ela não pode interferir na decisão, não tem poder de voto. Mas aí nós temos os pactos nacionais. Por exemplo, todo mundo tem que fazer o Grito Rock. Todo mundo tem que ser um ponto de mídia e ponto de circulação. Todo mundo tem que ser um ponto de distribuição, isso os coletivos não podem subverter. Se a gente não tiver pelo menos esses pactos nacionais, a gente não tem o que nos transforme numa rede. Mas até esses pactos nacionais são encarados como ações sistêmicas dos coletivos. Hoje é muito bacana para um coletivo fazer o Grito Rock, lançar um CD do coletivo e distribuir em 45 cidades na banquinha que faz o evento. É muito bacana ter um blog que tem outros 45 blogs lendo e divulgando em outras cidades. Todos os pactos nacionais são extremamente interessantes para os coletivos, não tem nenhum que seja sacrifício. A gente costuma dizer que se for para ser sacrifício não faça. Se não pode assumir esse desafio é melhor ser ponto parceiro, porque nós temos também os pontos parceiros. Cada cidade tem o Ponto Fora do Eixo e tem os parceiros que são aqueles pontos que estão em processo de maturação, que ainda não conseguem assumir todas as demandas, mas que estão caminhando para que isso aconteça. Então a cada dia o sistema está mais inteligente, o tempo vai passando e estamos percebendo que dá para corrigir algumas distorções que existiam antes e é um processo mutante. Um processo numa rede como essa não pode se estagnar. Constantemente ela está se reavaliando, se repensando. A gente coloca um monte de jornalista, um monte de produtores que não acreditavam nesse modelo, então a gente coloca uma galera que também nos alfineta, que não concorda, para além da nossa autocrítica, ter mais gente falando, questionando, tentando entender para onde estamos indo.
Os coletivos começam como trabalho voluntário, mas cada um tem seus gastos. Os coletivos gerem seus lucros ou tem uma verba para destinar nacionalmente que depois é repassada para os grupos locais?
Isso é muito bacana, vou pegar o exemplo de Minas Gerais. O Goma aprovou um projeto, então esse projeto é específico do Goma. Só que o Fora do Eixo de Minas aprovou R$ 1.500.000,00 na Lei de Incentivo de Minas para vários festivais, para uma circulação só entre eles. Então essa grana vai especificamente para o Fora do Eixo Minas. Então o projeto aprovado no municipal é o coletivo que gere, se em determinado momento ele achar que deve investir em coletivos ao lado, é da autonomia dele. No estadual, o estado debate como vai ser a gestão do recurso. No regional, a região debate e no nacional, o nacional debate. Por exemplo, acabamos de aprovar um projeto de observatório Fora do Eixo que é para debater, traçar um paralelo entre o Tropicalismo e essa nova estética que tem sido produzida nos anos 2000. O que tem de similaridade, como esses movimentos vem crescendo, o movimento que é filho de outro movimento, antagônico, se está numa linha seqüencial ou não. Então como é um projeto nacional o debate é nacional.
Tudo isso está servindo para as críticas diminuírem e a palavra que ninguém gosta de ouvir, panelinha, diminuir também?
Tudo tem contribuído muito. A crítica contribui muito, o circuito contribui muito, o amadurecimento dos produtores de festivais tem contribuído muito. O amadurecimento dos artistas tem contribuído muito. O maior engajamento dos jornalistas de entender a parte da produção, de emitir opinião pesquisando outros elos da cadeia produtiva para ter mais clareza. Eu acho que o jornalista é muito importante nessa história. Eu acho que está sendo um processo de amadurecimento conjunto de um sistema nacional da música independente que envolve jornalistas, as casas, o público, os festivais, os coletivos, os selos, as produtoras, que tem mostrado com mais clareza onde nós estamos nos metendo. Então os festivais estão se abrindo cada dia mais para novas linguagens, os que não se abrem tem claro que é aquilo que eles querem. Tem uma tríade aí que delimita essa coisa da banda e do festival: o público, o jornalista e o produtor. O público satisfeito com aquilo que está vendo, o jornalista que é o juiz dessa história, e o produtor é o que tem menos poder no fim da história. Se o cara tentar emplacar uma banda dele durante um ano e ela for ruim, no outro ano não anda para lugar nenhum.
Está havendo uma reformulação em alguns festivais do número de dias, de fórmula. É uma tendência?
O contra-ataque que a gente estabeleceu para a grande indústria foi um novo modelo de negócio que é extremamente mutante. É um modelo de negócio que não se engessa nas suas convicções. Está sempre aberto a se transmutar. É um processo que entende que para se manter inteligente, entende que tem que se transmutar. Então a gente vai trabalhando pouco a pouco para entender para onde a coisa toda está indo e se transmutando para atender melhor a banda, atender melhor o público, o jornalista, até os próprios anseios. Muito mais gente está conseguindo circular, produzir eventos, gente está circulando para cobrir. Então os festivais estão entendendo isso, estão abrindo novos espaços, invadindo bares da cidade, estão fazendo mostras de música contemporânea, estão indo as praças, as escolas. Estabelecem pagamentos com vídeos, gravações, trocas de serviço com moeda complementar, tudo sempre buscando um equilíbrio entre artista, público e produtor.
Já que estamos falando de negócios, vamos falar da Feira da Música. Teve a de Fortaleza e a nacional que foi em Recife. Bruno Nogueira até comentou que o pessoal estava mais para encontrar os amigos, uma espécie de oba-oba. Foi isso mesmo? Porque entende-se que uma feira é para mostrar produtos, fechar negócios.
Eu concordo em parte com o Bruno, mas discordo na essência. Eu entendo que para você conseguir realmente estabelecer um modelo gerencial de negócios, contínuo e estruturado, a gente precisa primeiro construir alicerces poderosos. Criar um suporte que consiga dar conta desse sistema mutante por muito tempo. Nos últimos dez anos a gente saiu do processo analógico e entrou no processo digital. A gente saiu duma perspectiva de trabalho no varejo, manual. Não existia uma rede. Então o que estamos vivendo nessas feiras é a estruturação desse suporte. Como a gente vai pensar num processo continuo se a gente não tem essa rede conectada, os coletivos falando a mesma língua, se não tem os festivais pensando junto com as casas de shows, com pensando junto com as organizações dos direitos autorais, pensando junto com a Associação Brasileira de Educação Musical, pensando junto com a Associação Brasileira das Rádios Públicas, pensando junto com a Associação Brasileira das TVs Públicas? Então está se construindo um sistema estruturado para que todas essas frentes consigam dialogar. Então o negócio que está sendo feito hoje é a criação de um ambiente associativo que cria um ambiente mais favorável para se estabelecer modelos de negócio. Então não adianta fechar uma turnê se eu só vou conseguir tocar em um lugar e não vou conseguir operacionalizar mais dez shows. 2009 foi o ano que a gente criou a Rede de Música Brasil e entidades que nunca tinham sentado juntas, sentaram para discutir. Por exemplo, a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) que tem a Sony, a EMI, tem as majors, nunca tinha sentado com a CUFA. O Fora do Eixo nunca tinha sentado com a ABArte (Associação Brasileira de Empresários Artísticos). Mesmo sabendo de que lado cada uma das entidades sentam, pelo menos elas estão sentando. O movimento musical priorizou nesse ano a articulação política. Então em 2010 e 2011, a gente vai viabilizar nas feiras uma série de negócios pensando principalmente no mercado.
E como fluiu esse diálogo com as majors?
Foi um diálogo muito mais interessante do que eu imaginava. Eu esperava mais resistência de ambos os lados, mas a gente viu que todo mundo está disposto a entender que não adianta tensionar apenas para um lado, senão a gente não arranja pactos comuns. É óbvio que em questões específicas, determinados movimentos acreditam naquilo e ponto. Enquanto o Fora do Eixo e o Música Para Baixar são intransigentes em relação ao jabá, outras entidades entendem que eles precisam legalizar a iniciativa. Então precisa achar um meio disso, uma revisão do direito autoral, uma repactuação com as emissoras de rádio comerciais e as públicas. Então a gente tenta escoar em outros debates que estão acontecendo no país algumas situações que não vão chegar a consenso. Eu respeito muito quem é intransigente com seus princípios, mas com as propostas e construções conjuntas, o processo de coalizão é sempre muito mais bacana.
Como você avalia o coletivo local, o Noize, em relação aos outros da região e do Brasil?
Eu acho a região Nordeste a com mais potencial do Brasil em todos os sentidos. No Nordeste estão os artistas mais bacanas do Brasil; a rota mais viável; o poder público que mais investe em cultura proporcionalmente; muitos dos jornalistas da mídia independente mais interessantes, que mais convivem no dia a dia com o cenário local, estão no Nordeste; algumas das casas mais bacanas. Então é uma tendência que alguns dos coletivos mais interessantes também estejam na região. Eu acho que o Nordeste demorou muito para analisar o próprio potencial e o tanto que poderia se conectar mais em rede. Tem iniciativas que acontecem há algum tempo como o DoSol e o Ponto CE que sempre tentaram operacionalizar em conjunto, sempre tentaram construir uma rota. Mas todo mundo sempre teve dificuldade de fazer uma integração de Alagoas. É difícil os artistas de lá circularem, é difícil ter um ponto lá sempre recebendo shows. A mesma coisa em Sergipe. O Plástico Lunar, uma banda que tem dez anos só tocou em dois festivais na vida. Mas cada vez mais o Nordeste descobre seu potencial e quanto mais os produtores dialogam, mais eles vem conseguindo mostrar para o resto do país que existem uma região onde a música é bem viável. Em 2010 Circuito Fora do Eixo terá o Nordeste como região prioritária e estratégica.
A gente sempre questiona muito porque as bandas daqui não vão mais ao Centro Oeste, ao Sudeste. Há uma pressão de vocês, do Circuito Fora do Eixo, para as bandas daqui “descerem” mais?
É um caminho conjunto. Não adianta ter a plataforma se a banda não tem força de vontade. Vamos pegar os exemplos locais, de Natal. Você pega o Camarones e o Sinks, um tempo atrás. O tempo todo tocando, articulando shows, rotas para se apresentar, chegando até aos produtores e não esperando que a coisa caísse do céu. Só que a grande parte das bandas do Nordeste ou só tocam na região ou no máximo vão até São Paulo. A dificuldade está muito mais no hábito de achar que é muito difícil, que não vai dar. Eu sempre faço essa crítica as bandas do Recife. Agora que a gente percebe o AMP circulando mais. O Sweet Fanny Adams tentando circular um pouco mais. Tem banda de Recife muito bacana, com mais tempo de estrada que o Macaco Bong, e o Macaco Bong já tocou em 23 estados. Nessa mesma perspectiva, Cuiabá também é tão longe quanto é Natal. Só que o Macaco Bong se preocupa em fazer um planejamento. Comprar passagens aéreas em promoção, acrescentar outros trabalhos além do show para sensibilizar o contratante. Muita banda ainda não saiu do sistema analógico. Se alguma banda falar que não tem condição de ser do tamanho do Macaco Bong, se mata. É uma banda muito bacana do cenário independente, mas que aqui em Natal tem público de 80 pessoas. É um público conquistado no laço. Em pegar e-mail após o show, em participar da comunidade e conversar com o público, em avisar quando vai voltar a cidade, em sempre cavar matérias bacanas, se bancar para ir a shows legais. E entender os festivais mais como mostra do que como plano de sustentabilidade financeira. Eu sou dentro da ABRAFIN um defensor de que não se deveria pagar cachê as bandas. Festival é uma mostra. É entender que uma banda só vai ter um público de 6000, 7000 pessoas em Cuiabá no Festival Calango. Se a banda não entender que o principal lastro dela é público, se mata também. Tem um exemplo forte disso que é o Cidadão Instigado. O Cidadão Instigado vai numa revista e fala que a ABRAFIN é uma máfia. Só que o Cidadão está acostumado com o padrão SESC de cachê. Aí acredita que aquilo que o SESC banca para ele, é o que ele tem que receber. Só que lá em Cuiabá o Cidadão Instigado não leva 30 pessoas. Essas 30 pessoas pagando R$ 20.0 dá R$ 600.00. E o meu festival é praticamente gratuito. Mas se pagassem R$ 20.00, dava R$ 600.00. Aí a gente triplica isso pelo valor agregado, a banda esteticamente é bacana. Então além da bilheteria, vamos dar uma triplicada nisso aí. Dá R$ 1.800,00. Só de cachê o cara me pede R$ 4.000,00. Então só de cachê saímos em um déficit de R$ 2.200,00, sem contar as passagens. Então se ele não consegue equilibrar isso, entender que o festival forma público e que para ele voltar e ter público teve que construir esse lastro, fica difícil estabelecer uma negociação.
Foi lançada a Billboard Brasil e já nas duas primeiras edições foram enfocadas algumas bandas e o mercado independente. Como vocês da ABRAFIN, do Circuito Fora do Eixo vêem isso?
A matéria-prima da música brasileira é proveniente do movimento independente. Então seria um contra-senso, até uma burrice por parte das editorias se elas não visualizassem a importância de se abrir espaço. Muitos dos jornalistas que estão nessas revistas são provenientes desses movimentos. É diferente de uma topeira, por exemplo, que nem o Sérgio Martins que é um cara que não consegue visualizar a história, que não freqüenta os festivais e ainda se acha de do alto da Veja, ficar destilando verdade. Mas, por exemplo, o José Flávio Junior que é da Bravo!, que teoricamente seria uma revista conservadora, é um dos que mais rodam o país. Um Pablo Miyazawa, Alex Antunes, Ricardo Cruz, a galera da Rolling Stone, está super antenada com o que está acontecendo. O Pedro Só, que mesmo sendo editor do Globo Esporte, escreve sobre música e na Feira Música Brasil estava empolgadíssimo com o que está acontecendo. Então estamos muito satisfeitos. E o que a gente tem a perder? A gente só tem a ganhar, assim como eles. Eu, particularmente, acho que hoje ter uma revista é ir pela contramão. O melhor modelo é transformar a revista em blog. É sair do analógico e entrar no digital. Pode até baixar o preço, mas o ideal seria a revista acabar e se transformar em blog.
Você pensa assim também sobre o disco? Acabar o meio físico, caixa, capinha, CD e ficar só virtual?
Eu acho que o CD vai continuar existindo, como as revistas, o vinil está voltando, o público vai continuar existindo. Mas é aquela história, hoje vender 3.000, 4.000 CDs é sucesso total. Então as bandas vão continuar circulando com seus EPs, seus CDs, CDs luxo. Mas cada vez mais o virtual vai tomar conta. Eu acho também que a gente ainda não entende muito bem e ainda não tem no cyber espaço que a gente tem no operacional. A gente não sabe lidar com o cyber espaço como poderia lidar. Então em um futuro próximo a internet vai ter 1 giga. Então mudará totalmente o parâmetro de tudo. Então vai ter um show do Macaco Bong sendo transmitido para 30 casas sem perda de áudio como se o cara estivesse praticamente ao vivo. É o que o Miranda muitas vezes fala, tudo vai ser streaming, não vai ter mais download porque tudo estará ali para você escutar. A televisão vai entrar no Youtube. Então qualquer previsão agora é pretensiosa.
O que você destaca de 2009 em bandas, discos, festivais…
Disco eu gostei muito do Porcas Borboletas, do EP do Rinoceronte, do Black Drawing Chalks, do material que o Calistoga tem gravado, do Plástico Lunar, do Ronei Jorge (e Os Ladrões de Bicicleta). Bandas novas que surgiram, o Mini Box Lunar, do Amapá; Caldo de Piaba, do Acre; Camarones (Orquestra Guitarrística), aqui de Natal; o Sincera, de Belém do Pará; stereovitrola, do Amapá também; Hey Hey Hey, de Rondônia; Linha Dura, de Cuiabá; Ophelia and The Tree, de Uberlândia. Entre os festivais eu acho que o Jambolada foi excelente. Não vim ao DoSol, mas a repercussão, os vídeos que eu vi e o que as bandas falaram foi muito legal. O Noise, o Calango eu sou suspeito, mas pelo segundo ano foi muito bacana. O Varadouro foi muito legal. O Porão do Rock voltou para a rua, gratuito. O Porto Musical e a Feira da Música de Fortaleza foram muito interessantes. O Burro Morto que é uma banda muito legal e que apareceu mais em 2009. O surgimento cada vez mais de coletivos é muito interessante. A criação da Rede Música Brasil. O fortalecimento das Casas Associadas e a aproximação maior das casas do Rio e de São Paulo que eram mais reticentes em relação ao movimento. 2009 foi um ano extremamente positivo para o cenário independente, para a região Nordeste foi muito positivo. Falando aqui de Natal, eu acho que é uma das cenas mais potenciais do Brasil, com mais bandas legais, que tem uma casa que funciona todos os fins de semana. E eu não vejo mais tanto antogonismo. Até 2008 quando ainda não estava claro o que era a ABRAFIN, as Casas Associadas, o Circuito Fora do Eixo, tinha mais pressão divergente. Hoje tem 80% de pontos em comum e 20% de convicções que cada um acredita, mas que não destoa muito. A gente conseguiu sair de 2009 com um grande pacto nacional em torno da música.